Antes de falar sobre a liberdade de expressão, precisamos entender quem somos e onde estamos. O Brasil é o que se chama de Estado de Direito, ou seja, é um modelo de governo em que o Estado é o responsável por proteger os cidadãos, garantindo-lhes a liberdade, a igualdade, além de outras regulações da sociedade. Porém, este modelo não surge do nada; ele é fruto do trabalho intelectual de vários filósofos, entre eles os contratualistas — Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.
Apesar de os três fazerem parte do mesmo reduto ideológico, todos eles têm ideias distintas sobre como regular o convívio social. Locke, por exemplo, defende a existência de uma figura soberana, como um Rei. Hobbes e Rousseau, ao contrário, defendem que se deve ter um governo democrático, mas entendem isso a partir de concepções diferentes sobre a vida — Hobbes acha que as pessoas nascem más e Rousseau acha que nascem boas, só para começo de conversa. Mesmo assim, todos os três concordam na mesma coisa: é necessário que haja um Contrato Social que permita o convívio saudável, sem que causemos prejuízo aos cidadãos e à sociedade como um todo.
Como Rousseau é o último contratualista, é o responsável por detalhar esta ideia com o máximo de profundidade que conseguiu em sua vida, e seu trabalho reverbera até hoje no entendimento atual sobre liberdade e igualdade. No entanto, nosso modelo de governo é uma mescla de outras ideias advindas da Idade Média, mas nem por isso deixa de ser, em toda sua teoria, bastante completo.
Então, para que possamos compreender o que é liberdade de expressão, vamos visitar o pensamento de Jean-Jacques Rousseau.
O que é liberdade?
Rousseau propõe que todo ser humano nasce livre, mas está sempre preso à tradição, às vontades dos outros e à maldade. Ele entende que a liberdade, num tempo em que não havia propriedade privada, inveja ou escravidão, ou seja, um tempo em que todos colaboravam entre si e viviam felizes, tournou-se impossível de alcançar novamente. O ser humano perdeu sua liberdade natural e, por isso, precisa de um novo tipo de liberdade para chegar o mais próximo possível daquele tempo. A isto ele dá o nome de liberdade civil.
Só que esta liberdade civil precisa de amparo para que seja assegurada a todos. Por isso, Rousseau diz que a liberdade só pode existir por meio de um Corpo Político que represente a Vontade Geral. Isto significa que todos os cidadãos precisam eleger pessoas (autoridades) para representar as vontades que sejam comuns a todos, pois é assim que a liberdade — algo que deve ser para todos — pode ser garantida.
Como sabemos, é comum que as ideias de um filósofo sejam debatidas e continuadas por outros. E foi isso que John Stuart Mill fez para aprofundar as ideias de igualdade e liberdade. Assim como as ideias dos contratualistas, o pensamento de Stuart Mill também consta nos fundamentos das leis atuais. Isto porque ele conseguiu criar uma definição bastante prática da liberdade. Stuart Mill diz que o principal preceito da liberdade é não causar danos aos outros, e que faz parte da liberdade unir-se em grupos de pessoas, também sem que este grupo cause danos — muito parecido com o que diz o artigo 5º, inciso XVI, da Constituição Federal a respeito da liberdade de reunião.
Além disso, a liberdade civil diz respeito a viver como bem entender — isso significa a liberdade de acreditar em qualquer religião, de ter um partido político; a liberdade de se deitar (ou não) com quem você quiser etc.
Com isto, entendemos que a liberdade é algo que necessitamos para viver em sociedade e, dentro do nosso modelo de governo, precisamos que pessoas eleitas trabalhem para garantir nossas liberdades o tempo todo. Ainda, precisamos ter ciência de que ter liberdade não significa causar danos a outras pessoas ou grupos de pessoas, por isso a “liberdade de expressão” não compactua com discursos de ódio, ideias preconceituosas ou que privilegiam grupos específicos e coisas do gênero.
Quais leis se aplicam à liberdade
A Lei pontua sobre a importância da Liberdade de Expressão e nos abre o espaço para que possamos nos expressar. Porém, faz algumas ressalvas importantes ligadas ao tema como é pontuado no art. 5º:
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Além deste artigo, que faz parte da Constituição Federal, ainda encontramos o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas de 1996 (e em vigor no Brasil desde 1992), através do Decreto n. 592, que destaca:
Art. 19º: Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.
Ou seja, a liberdade de expressão é direito do cidadão, mas precisamos entender quais são os limites dela ao pensar no espaço do outro e da convivência da sociedade como um todo. No caso Monark, é importante que a pesquisa seja baseada a partir do Código Penal, pois nele entendemos que no artigo 287 é vedado fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou autor do crime.
Ou seja, o comentário no Podcast Flow poderia se enquadrar como uma expressão fora da lei, mas ainda encontramos a outra proposta da bancada feminina que modifica a Lei 7.716/1989 que aponta sobre os crimes relacionados à apologia ao nazismo. A criminalização do nazismo ainda se encontra no artigo 20 da Lei 9459/1997, que acrescenta:
Art.20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Repercussão do caso Monark
O Caso Monark teve uma grande repercussão e afetou diversas comunidades, como a judaica, LGBTQIA+, afrodescendentes, entre diversas outras, pelo seu discurso ao incitar que estaria “tudo bem” ser criado um partido nazista. Este discurso ocorre neste ano em que contamos com Eleições e diversos outros posicionamentos políticos e sociais que atingem grupos diversos. Por conta desta fala, o Youtuber foi afastado de seu cargo, e tem se desculpado desde então, além de ter recebido diversas denúncias das minorias atingidas por seu discurso.
Desta forma, podemos compreender que a liberdade de expressão não está ligada a dizer tudo que se pensa sem que haja consequências, pois esta atitude é contrária ao que se fomenta na lógica de convivência em sociedade. A partir do momento que um pensamento ou fala prejudicam outras pessoas, ou que as atitudes de uma pessoa interferem nas vidas de outras, reduzindo e limitando seus direitos, ofendendo sua moral, ou constrangendo de qualquer forma que seja, aí temos o limite da liberdade, seja de atitude ou de expressão. É necessário compreender que somos livres para conviver com as diferenças, e não livres para eliminá-las da sociedade.